Blog do Prof Nescau

sábado, 14 de maio de 2011

Escândalo de doping expõe “ditadura” da CBC - Fonte: Jornal de Londrina(15.05.2011)

Escândalo de doping expõe “ditadura” da CBC

Temendo retaliações, atletas não admitem publicamente, mas a insatisfação com a forma de a Confederação ser gerida é clara.
15/05/2011 | 00:05 Adriana Brum

Há duas semanas a ESPN Brasil fez a denúncia: divulgou uma lista de cinco ciclistas que caiu nos exames antidoping em provas internacionais realizadas em solo brasileiro, repassada à emissora pela União Internacional de Ciclismo (UCI). Alguns atletas afirmaram que a Confederação Brasileira de Ciclis­­mo (CBC) estaria acobertando o fato para não manchar sua imagem perante o patrocinador, Ban­­co do Brasil, com quem negocia a renovação do apoio financeiro.

A acusação é séria e de difícil comprovação. Trata-se da palavra dos ciclistas – que tecem poucas críticas publicamente, preocupados com retaliações – contra a da CBC, que pouco está disposta a prestar esclarecimentos. O fato, porém, escancara a dificuldade de relacionamento da entidade com quem teria de apoiar.

O vice-presidente da CBC e procurador-geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD,) Paulo Schmitt, rechaça qualquer possibilidade de a entidade omitir casos de doping. “A Confederação não omite, não se omite, não tolera e não deixa de divulgar. É uma infração como qualquer outra e merece apuração”, defende.

O discurso dele é oposto ao do presidente, José Luís Vasconcellos. Via e-mail, o dirigente afirmou à Fo­­lha de S. Paulo que nem a UCI informa os resultados dos testes, como justificativa para também não mostrar as condenações nacionais. A Gazeta do Povo tentou entrevistar Vasconcellos nas duas últimas semanas. Porém não teve retorno até o fechamento desta edição.

“Tudo começou com a Clemilda [Fernandes, atleta da seleção olímpica em Pequim]. Há dois anos está ‘positiva’ e sempre falam que está afastada por problema no joelho...”, diz um ciclista, que pediu para não ser identificado. Vasconcellos declarou ao jornalista José Cruz, em fevereiro, que a suspensão era por comportamento antidesportivo. Mas esta semana Schmitt confirmou: “Ela tem uma condenação de doping no Giro da Itália, foi declarada suspensa por dois anos”.

Mesmo entre os que condenam a forma como a atual diretoria conduz a CBC, há quem ache pouco provável os ciclistas serem induzidos a esconder os casos. “O problema é quando falam que foi ‘al­­guém’ que mandou. Os atletas estão fazendo como o [Floyd] Lan­­dis fez com o Lance [Armstrong, sete vezes campeão da Volta da Fran­­ça, que enfrenta acusações do ex-colega de equipe, de que competiria dopado]. Ninguém é obrigado a nada”, diz Edson Ferreira, o Nescau, técnico da GF Ciclismo/Unilance/São José dos Pinhais, equipe líder do raking nacional na pista.

Finanças

A acusação de acobertamento do doping levantou outras insatisfações com a CBC, como a falta de transparência na aplicação das verbas e de trabalho conjunto com as federações. O relatório do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) aponta que 72,9% do R$ 1,2 milhão repassado à Confe­­de­­ração em 2009 foram gastos em competições, e apenas 0,8% in­­vestido nos atletas.

“Já falei para ele [Vasconcellos] que instituiu uma ditatura”, diz o presidente da Federação Para­­naense de Ciclismo (FPC), Sidney Marlon de Paula. Segundo ele, as provas da CBC não contam com a participação das federações. “A Volta do Paraná, por exemplo, que é no estado-sede da Confederação [em Londrina], leva o símbolo da FPC, mas nem sei quando é. Che­­gou a um ponto que prefiro não me meter, porque a CBC decide quando e como. E não quer conversa.”

Um ex-dirigente da CBC afirma que grandes nomes do ciclismo brasileiro não se interessaram em manter contato com a entidade após encerrar a carreira, deixando de fomentar o esporte. “O Mauro Ribeiro e o Luciano Pagliarini são alguns deles”, diz.

Seleções

O gerente da DataRo/Foz do Iguaçu, Rogério Fagundes, não tem críticas à CBC. Mas a equipe só foi filiada à entidade até o ano passado. Como optou por competir internacionalmente, agora é vinculada diretamente à UCI. Ele faz apenas uma sugestão: “Poderia investir em uma seleção permanente para fomentar a alta performance”.

Nescau vai além. Para ele é preciso saber, com antecedência, quais os critérios para participação em competições internacionais e formação das seleções, tanto na estrada quanto na pista. “Ainda não publicaram o ran­king de velocistas e fun­­distas.O ranking de 2011 ia ser divulgado no final do mês passado, e ,até agora, nada. Fica difícil até para eu informar meus patrocinadores, a mídia e programar as metas”, diz.

Antidoping

Embora a CBC informe ter realizado 181 exames em provas chanceladas pela UCI nos últimos três anos – média de cinco por mês –, não é o suficiente. “No último Brasileiro de pista, em Maringá, não teve antidoping. A prova formou a seleção para o Pan-Americano da Colômbia”, diz Nescau.

“Nunca vi isso: ciclistas preocupados em procurar comissários antidoping na véspera das largadas. Em qualquer outro lugar, tem-se certeza de que estarão lá”, afirma outro ciclista.

Personagem
Atleta diz não ter sido induzido
“Não recebi nenhuma orientação para omitir a suspensão”, diz L.O.N. (ele pediu que somente suas iniciais fossem citadas), um dos oito atletas que constavam na primeira lista da UCI como flagrados no antidoping. Ele mora em Curitiba e, aos 22 anos, fala em não voltar às pistas. “Não ingeri nada. Estava tomando suplementos. Algum deles só podia estar contaminado. Isso ou a divergência de datas”, contesta. Ele e seu advogado, Itamar Cortes, recorreram do resultado porque a data do exame não correspondia à da corrida, mas o resultado foi mantido.L.O.N., que pedalou quatro anos como profissional, fala que os boatos de doping são recorrentes. “E quando um cai, não é nada escondido, com estão dizendo”. Ele afirma que nem todas as provas internacionais no país tem antidoping. “Não há como saber quando vai ter ou não.” O ciclista, que tinha como cláusula contratual a rescisão com a equipe em caso de doping, afirma que uma semana depois do Tour do Rio (no qual foi flagrado) pediu para sair por causa da gravidez da namorada. Segundo ele, a decisão não tem relação com o doping.
Fiscalização é apenas financeira
Como entidades privadas, as confederações esportivas não têm um órgão regulador de suas ações. Assim, não há um código de conduta a seguir além do próprio estatuto. “Claro que um caso pontual de suspeita de ação antiética vai nos levar a uma investigação. Mas, genericamente, não temos como atuar sobre as confederações”, afirma o diretor do Departamento de Esporte de Base e de Alto Rendi­mento, do Minis­té­rio do Esporte (ME), Marco Aurélio Klein. Como recebem verbas públicas – repasses do ME para projetos, da Caixa Econômica Federal (pela lei Piva, têm direito a 2% da arrecadação das loterias), e patrocínios de empresas públicas –, as entidades apresentam anualmente o balanço financeiro ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), responsável pelo repasse da verba da CEF.Em relação ao antidoping, segundo Klein, o Ministério pretende fazer com que os 3,1 mil beneficiados pelo programa Bolsa Atleta sejam submetidos a pelo menos um teste anual. Seriam necessários R$ 4,7 mi­­lhões, visto que, em mé­­dia, o custo de cada exa­­me é R$ 1,5 mil. Porém o ME só vai investir R$ 1,8 milhão. “Há de se entender que uma coisa é comprar 20 exames. Outra são 3,5 mil testes”, argumenta Klein. Não existe um projeto para re­­forçar o antidoping nas competições.A medida foi anunciada após as denúncias no ciclismo. Pelo menos dois atletas da lista divulgada pela UCI, o paranaense Pedro Nicácio e Clemilda Fernandes, receberam a bolsa após serem afastados. “Sus­­pen­demos o benefício quando recebemos a notificação da Con­federação”, justifica Klein. Porém Nicácio estava afastado preventivamente em julho de 2010, foi condenado em setembro e em março ainda recebia. Em entrevista à ESPN Brasil, afirmou que sua saída das competições foi por problemas familiares, omitindo a suspensão. O COB diz orientar as confederações a atuar com rigor em casos de doping, mas só age nos casos ocorridos antes ou durante as competições que promove. (AB)

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